Com a permissão do Amigo Perito Criminal Francioni, estou reproduzinho a matéria publicada no Blog dele.
O
"caso Juan Moraes" fez aniversário, totalmente esquecido pela imprensa.
De resultado, tem-se a punição (indevida) de uma perita em menos de 5
meses. A sindicância para apurar a negligência de um delegado que não
compareceu ao local de crime, não o isolou, nem determinou sua perícia
(descumprindo várias determinações do CPP em evidente prejuízo às
investigações), se arrasta há mais de 11 meses, com muitos depoimentos e
nenhuma conclusão. Por quê???
http://www.perito-francioni.com.br/blog/blog000b.htm
"Caso Juan Moraes" completa 1 ANO
Hoje, 20 de junho de 2012, completa-se o primeiro ano do
desaparecimento do menor Juan Moraes na favela Danon, no município de
Nova Iguaçu, Estado do Rio de Janeiro. Os principais jornais impressos
cariocas não lembraram o fato nem mesmo em suas versões digitais.
Tampouco assisti a qualquer notícia pertinente nos noticiários
televisivos de hoje, pela manhã e no horário de almoço.
A Polícia Civil atribuiu o sumiço do menor a homicídio por
policiais militares. Ainda não se pode afirmar que os PMs acusados
tenham matado Juan Moraes, nem que não o tenham, mas vários aspectos
desse caso são altamente estranháveis em face da suposição, razoável, de
que as várias autoridades policiais e periciais relacionadas a esse
caso teriam pleno conhecimento dos atos e fatos administrativos havidos,
além de perfeita noção dos deveres que lhes são impostos. Cabe destacar
que, pelo menos quanto a delegados de polícia, também se presume
conhecimento pleno dos diversos aspectos jurídicos pertinentes. Seria
razoável, portanto, a conclusão de que eventuais erros praticados por
essas autoridades (delegados e peritos) poderiam, ao menos em tese, ter
sido dolosos, intencionais.
O
longo tempo decorrido permitiria à
Chefia de Polícia Civil (inclusive seus órgãos, como a COINPOL –
Corregedoria Interna da Polícia Civil)
ter adotado todas as medidas administrativas cabíveis e prestado todas
as explicações pertinentes à sociedade, em conformidade com os
princípios constitucionais da legalidade, moralidade e publicidade,
entre outros. O entendimento do
perito FRANCIONI , porém, é de que
essa oportunidade foi desperdiçada – infelizmente.
O aspecto que mais salta aos olhos é a
discrepância entre os tratamentos atribuídos a uma perita legista e a um delegado de polícia – ambos os quais, por hipótese, teriam cometido erros.
De acordo com a imprensa, o
delegado de polícia Dr. Cláudio Nascimento de Souza teria
negligenciado sua função,
não comparecendo ao local do crime, não providenciando isolamento do
local e nem determinando a realização do necessário exame pericial – que
só foi realizado
8 dias após o fato, com prejuízo à apuração dos fatos que é muito evidente (mas não admitido oficialmente). Já a
perita legista Dra. Marilena Campos de Lima, segundo a
Chefia de Polícia, teria cometido um engano na realização de um exame – um engano que foi considerado grave mas, ainda assim, seria
apenas um engano.
Em tese, os atos praticados pelo
delegado (que
contrariou várias determinações legais expressas) não se constituiriam
apenas em transgressão disciplinar, restrita ao âmbito administrativo,
mas também em
crime de prevaricação, passível de denúncia pelo Ministério Público e de condenação judicial.
Quanto à
perita legista, seu engano
não caracteriza transgressão disciplinar,
como já analisado, e até mesmo a instauração de sindicância para apurar seu equívoco já seria caracterizável como
ato ilícito.
Essa ilicitude não é desconhecida pela delegada de polícia Dra. Martha Mesquita da Rocha, Chefe de Polícia, nem pelo delegado de polícia Dr. Gilson Emiliano Soares, Corregedor Interno da Polícia Civil:
em audiência pública realizada na ALERJ (Assembléia Legislativa do
Estado do Rio de Janeiro) versando sobre o funcionamento da COINPOL, à
qual ambas as autoridades estavam presentes, o
perito FRANCIONI
abordou a ilicitude de qualquer procedimento disciplinar em face da
perita legista em consideração a equívoco supostamente cometido. Apesar
disso,
a sindicância (já instaurada) foi continuada até a condenação da perita.
Todos os fatos parecem discrepar da legalidade e da razoabilidade preconizadas pela Constituição.
A perita havia sido exonerada da sua função retroativamente e
antes do delegado, ocorrendo a respectiva publicação em BI também antes.
As sindicâncias administrativas disciplinares para apurar os fatos
também tiveram tratamento diferenciado: a perita foi chamada para depor 6
dias antes do delegado. Na seqüência, e surpreendentemente,
o delegado foi incluído em lista de candidatos a promoção. Todos esses aspectos já haviam sido
destacados neste portal de internete, mas há mais.
O desenrolar dos fatos sugere
tratamento ainda mais diferenciado,
em desfavor da perita legista (que sequer deveria ser submetida a
sindicância) e beneficiando o delegado de polícia (cujo ato, em tese,
também caracterizaria crime).
Na sindicância sobre o equívoco da
perita legista Dra. Marilena Campos de Lima (SAD 134/11), ela foi chamada a depor no dia 19 de julho de 2011, como o
perito criminal Dr. Sergio da Costa Henriques (Diretor do DGPTC,
que havia reiterado afirmações incisivas contra ela por intermédio da
imprensa). Seguiram-se os depoimentos de uma técnica policial de
necrópsia e de um perito legista (25-07), outro depoimento da
Dra. Marilena
(16-08) e de outro técnico policial de necrópsia (02-09). Em 25 de
novembro de 2011 foi publicada a punição da perita legista: "
pena de 16 (dezesseis) dias de suspensão, por infringência, in concreto
, ao art. 14, inciso XV, displicência, do Decreto-lei no 218/75".
Para que a perita legista fosse submetida a punição (indevida), bastaram 6 depoimentos prestados por 5 servidores públicos, convocados em 4 BIs, em aproximadamente 4 meses e meio.
A sindicância sobre os procedimentos do
delegado de polícia Dr. Cláudio Nascimento de Souza (SAD 133/11) está tendo um trâmite muito diferente. Foram convocados a depor o
Dr. Sérgio Henriques (19-07) e o próprio
Dr. Cláudio Nascimento, um oficial de cartório policial e um inspetor de polícia (21-07), o delegado de polícia "1" (28-07), o
Dr. Cláudio Nascimento (02-08), o
Dr. Sergio Henriques, o
Dr. Cláudio Nascimento e o delegado de polícia "2" (12-08), o
Dr. Sergio Henriques e o
Dr. Cláudio Nascimento (23-09), o
Dr. Sergio Henriques e o
Dr. Cláudio Nascimento (novamente, em 27-10), o
Dr. Sergio Henriques, o
Dr. Cláudio Nascimento e o
perito criminal Dr. Miguel Archanjo da Silva Guimarães Júnior (06-12), o
Dr. Sergio Henriques, o
Dr. Cláudio Nascimento e o
Dr. Miguel Archanjo (novamente, em 31-01-2012), o
Dr. Cláudio Nascimento e o delegado de polícia "2" (09-04-2012), além do depoimento mais recente, de outro perito criminal (12-06-2012).
A sindicância que poderia resultar em punição a um delegado de polícia já conta com 22 depoimentos de 8 servidores públicos, convocados em 11 BIs, ao longo de um 11 meses e 1 semana, sem chegar a qualquer conclusão sobre a culpa do delegado de polícia Dr. Cláudio Nascimento de Souza.
A toda evidência,
a COINPOL encontra facilidade muito
maior para punir peritos (mesmo que indevidamente) do que para punir
delegados, para os quais a imposição de uma sanção parece requerer
cuidado muito maior – um cuidado que viola a Constituição e não tem previsão legal.
Note-se que o
delegado de polícia Dr. Gilson Emiliano Soares, Corregedor Interno da Polícia Civil, se valeu do
Decreto-Lei RJ 218, de 18 de julho de 1975, que usa para julgar (e punir) servidores. Na verdade, esse decreto-lei foi substituído pelo
Decreto RJ 3.044, de 22 de janeiro de 1980 – que o revogou ("
Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário."). Há várias semelhanças entre o
Decreto-Lei RJ 218/1975 e o
Decreto RJ 3.044/1980
mas, havendo completa regulamentação do tema pela norma mais recente e
estando as disposições em contrário revogadas, não se pode admitir o uso
da norma mais antiga – pelo menos tecnicamente, como se espera de um
delegado de polícia corregedor.
Tendo a perita legista sido punida (indevidamente) por suposto equívoco, cabe lembrar que o
Dr. Sergio da Costa Henriques, Diretor do DGPTC, considerou que a causa desse equívoco poderia ter sido a
incompatibilidade entre sua formação acadêmica e a natureza do exame. Sob essa consideração, a
Chefia de Polícia
(incluindo a COINPOL) deveria ter explicado por que não se apurou (e
puniu) quem determinou a realização do exame por aquela perita –
possivelmente o próprio
Dr. Sergio Henriques, segundo informado pela imprensa.
O Diretor do DGPTC, sem luva, manuseia estojos de munição. [1]
|
O
perito criminal Dr. Sergio da Costa Henriques manipulou objetos de exame
sem luvas – em circunstâncias que, não explicadas pela
Chefia de Polícia (incluindo a COINPOL e o DGPTC), poderiam resultar na caracterização dos
crimes de falsa perícia e, até mesmo, de fraude processual,
como já analisado em tese, a depender de investigação apurada.
Na verdade, embora o
Dr. Sergio Henriques tenha realizado pessoalmente vários exames, ele não poderia ter realizado qualquer deles, já que
a função de Diretor do DGPTC o impede de realizar exames periciais (como extensamente explicado em
artigo jurídico de pós-graduação na EDA-AMPERJ – Escola de Direito da Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro). A
Chefia de Polícia também não esclareceu este aspecto.
Dr. Miguel Archanjo (E) e o Diretor do DGPTC (D) – que segura, sem luva, chinelo de Juan Moraes. [2]
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Por que o
Dr. Miguel Archanjo da Silva Guimarães Júnior participou de vários exames periciais do
"caso Juan Moraes"? Por que esse
perito criminal atuou em vários outros casos de repercussão, como no
"caso Patrícia Amieiro"? Teria havido mera coincidência de escalas de serviço? A
Chefia de Polícia igualmente não explicou esse aparente
monopólio de exames periciais de repercussão. Se o
Dr. Miguel Archanjo tiver sido especialmente escolhido para realizar esses exames, estará evidenciada a prática de
ato ilícito:
exames periciais não são atos administrativos avocáveis, isto é, nenhum
superior hierárquico pode realizá-los nem pode escolher, a seu
critério, quem os deve realizar (como extensamente explicado em
artigo jurídico de graduação em Direito).
Nossa Constituição, que determina à Administração Pública
o respeito à legalidade, à impessoalidade e à moralidade, não se
coaduna com as múltiplas contradições ocorridas (e identificadas no
artigo "o “Caso Juan Moraes” – Será que a perita errou?"). Nossa Constituição, que determina à Administração Pública o respeito à publicidade, é quem exige explicações à Dra. Martha Rocha e ao Dr. Sergio Henriques: é pelo seu comportamento que nossas autoridades públicas demonstram o respeito que têm pelas leis e pelo povo.
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Dra. Martha Rocha. [3]
|
Dr. Sergio Henriques, Diretor do DGPTC, em fotografia de Roberto Moreyra para o jornal EXTRA. [4]
|
REFERÊNCIAS:
[1]
O DIA ONLINE - RIO - Cães ajudarão na busca a Juan Disponível em: <
http://odia.terra.com.br/portal/rio/html/2011/6/caes_ajudarao_na_busca_a_juan_174267.html>. Acesso em: jul. 2011.
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[2]
‘Meu filho não está mais vivo’, diz mãe do menino Juan - Casos de Polícia - Extra Online Disponível em: <
http://extra.globo.com/casos-de-policia/meu-filho-nao-esta-mais-vivo-diz-mae-do-menino-juan-2131859.html>. Acesso em: jul. 2011.
voltar
[3]
07-07-2011 - Capas do Jornal Extra - Extra Online Disponível em: <
http://extra.globo.com/capas-jornal-extra/07-07-2011-2183242.html?mesSelecionado=Jul&ano=2011>. Acesso em: jul. 2011.
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[4]
Caso Juan: diretor de Polícia Técnico-Científica diz que investigação não foi comprometida por erro de perita Disponível em: <
http://extra.globo.com/casos-de-policia/caso-juan-diretor-de-policia-tecnico-cientifica-diz-que-investigacao-nao-foi-comprometida-por-erro-de-perita-2187614.html>. Acesso em: 20 jun. 2012.
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