sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Um Serial Killer em Goiânia?



Durante esta semana tive minha atenção voltada para as mídias televisivas e impressas, pois corre por diversos canais de informação dados sobre a existência de um Serial Killer (matador em série) na cidade de Goiânia, Goiás. Como profissional eu tenho uma grande atração por casos expostos de forma dramática pelas mídias, pois eles trazem a população, leiga, para dentro da esfera da criminalística, o que pode ser muito válido, como também perigoso. 

O fato que me chamou a atenção desta vez se deu quando estava lendo um jornal impresso de grande circulação na cidade, minutos após de ter assistido a um telejornal local trazendo a mesma matéria, (não vou citar nomes por respeitar a liberdade de expressão garantida pela Constituição Federal). Curioso, peguei o jornal e fui   me inteirar dos fatos. No telejornal a pergunta que se fazia repetidamente era: “Será que temos um Serial Killer na cidade?” E no jornal impresso eu tinha um quadro totalmente didático, demonstrando 11 casos de homicídios ocorridos na cidade, com dados “concretos” que me chamaram a atenção por seu “MODUS OPERANDI”. 
A matéria trazia dados que davam ao leitor, leigo, uma maneira rápida de entrar no mundo da criminalística sem ter passado por uma escola técnica onde poderia aprender os meandros de uma investigação criminal, tendo já em suas mãos dados para análises que poderiam ser feitas em uma mesa de um bar, em uma recepção de hotel ou até mesmo no conforto de seus lares, sem os aparatos,o tirocínio e a expertise que se deveriam ser aplicados para uma conclusão. Ponho-me no lugar do amigo leitor ou da amiga leitora onde acabo de ouvir na televisão que há fortes indícios de um “monstro” solto pelas ruas matando mulheres; em seguida pego um jornal impresso que me fornece dados “reais” como os nomes de 11 vítimas, todas do sexo feminino, com idade média entre 13 e 29 anos, todas mortas “supostamente” pelo mesmo assassino, que utilizava uma motocicleta, anuncia um suposto assalto e, antes da vítima entregar os pertences, são atingidas com um tiro no peito. 
O cidadão, leigo, tem duas opções neste momento: se veste de Sherlock Holmes e começa a tirar suas conclusões, sem base técnica, ou então, entra em desespero e não sai de casa nunca mais, achando que realmente existe uma calamidade pública e que o inimigo mora ao lado. Busquei em meus conhecimentos teóricos algumas informações que poderiam se encaixar no que a mídia estava expondo, da forma como estava expondo, chegando à uma única “pseudo-conclusão” com as dados que eram apresentados: o tal matador em série só poderia estar cometendo crimes passionais – crime de ódio ou algo do gênero. Buscaria até mesmo uma ajudinha na psicologia jurídica para poder tentar embasar essa tese e alegar que o cidadão possivelmente foi rejeitado pela sua namorada ou noiva ou esposa e, por causa desse abandono, ele resolve se “vingar” em todas as mulheres que fisicamente o faz lembrar-se do seu abandono ou da pessoa de sua “ex” e então resolve matar uma terceira pessoa para chegar ao ápice do seu “gozo interior” e a cada vítima que ele matasse, ele estaria revivendo esse ápice e se satisfazendo com a morte não da vítima em si, mas de quem supostamente o abandonou. O que diferencia um profissional de um cidadão leigo é simplesmente sua técnica e sagacidade, e não importa se estamos tratando de um jornalista ou âncora de uma emissora que teoricamente estudou para exercer sua função ou de um perito que estudou para ser expert em um determinado assunto, há uma palavra que grita neste contexto e ela se posta em Negrito, seu nome: VERDADE. 

Em minhas palestras e cursos que ministro pelo país, e também fora, eu sempre digo que na criminalística temos que nos atentar única e exclusivamente para a verdade, mas o problema é que tanto em um inquérito policial, quanto em um processo judicial existem 3 verdades. Isso mesmo, 3 verdades, a verdade apresentada pela vítima, a verdade escondida pelo autor e a verdade dos fatos e esta última é a que me interessa e a busco em todos os casos que tomo conhecimento. Em minha vida acadêmica, antes de ser inserido no mundo profissional, me foi apresentado um decálogo onde o primeiro tópico era, “Evitar conclusões intuitivas e precipitadas. Conscientizar-se que a prudência é tão necessária quanto a produção da melhor e mais inspiradora perícia. Jamais se firmar no subjetivismo e na precipitada intuição para concluir sobre fatos que são decisivos para os interesses dos indivíduos e da sociedade. Concluir pelo que é óbvio e consensual.” Com base nisso fui à busca de conhecer mais sobre esses 11 casos que estavam sendo expostos pela mídia e descobri uma série de coisas que desmistificavam a suposta ideia de haver um “Serial Killer” na cidade. 
Visitei a delegacia de homicídios, busquei me informar melhor sobre os casos, cruzei dados sérios e utilizei uma ferramenta investigativa para tentar traçar um perfil para as vítimas e para o assassino. Ainda bem que existem ferramentas, técnicas e profissionais dedicados a este trabalho, pois o encontrado até o momento não era o que se esperava, ou o que estava sendo divulgado. Para iniciar a contextualização não foram só 11 casos, são mais, os números não os divulgarei aqui por respeito aos colegas que graciosamente me receberam na delegacia. O cruzamento dos dados coletados pelas autoridades policiais não condiz com o que está sendo cogitado. 
Há inúmeras divergências entre o que a mídia divulgou e o que se tem de dados até o momento. E essa divergência me causa espanto, pois, infelizmente, no Brasil há uma cultura horrível que “demonizam” as nossas polícias, e este fato só reforça essa prática cruel de descrédito ao profissional que está desempenhando sua função, na maioria das vezes por amor ao que faz, tendo em vista a má aparelhagem do sistema. Inúmeros testes são aplicados, várias ferramentas são utilizadas e os dados ou os resultados nem sempre podem ser apresentados abertamente para a sociedade e para a mídia, pois atrapalhariam novos exames e novos resultados. Uma ferramenta de cruzamento de dados utilizada por mim não demonstrou em tese “NEXO DE CAUSALIDADE” entre os 11 casos – há fortes indícios de haverem motivações diferentes que os dividem em diversos casos. 
Não se encontram características que provem ser o mesmo autor nos 11 casos, (é muito provável que sejam vários autores), há uma falta gritante de argumentos geográficos e sócio-culturais para se cogitar a ideia de um “Serial Killer”, o que acaba nos levando a crer que sejam mais casos de homicídios como os que já estamos “acostumados” do que uma possível aparição de um maníaco que coloca em cheque toda uma comunidade e, porque não dizer, a sociedade. 

Confio nas técnicas e nas ferramentas empregadas pelo estado não só nestes casos, como em outros também, confio no tirocínio e capacitação dos profissionais envolvidos nestes casos. Busco sempre conhecer mais os fatos em sua totalidade para que não tire conclusões preciptadas ou leve meus leitores ao engano. Faço este texto para reflexão dos leitores para que pensem duas vezes, não como leigos, mas como desbravadores que sempre buscam o maior tesouro, a verdade. E esperamos que em breve as autoridades policiais do Estado de Goiás possam nos apresentar os 11 casos elucidados, não embasados em achismo, mas dentro dos princípios éticos e técnicos.

 Josecler Alair
Perito Judicial “Ad’hoc”
Graduado em Investigação e Perícia Judicial – Rio de Janeiro – RJ – 2011. 
Pós-graduado em Ciências Forenses, Investigação Criminal e Comportamento Desviante – Lisboa – Portugal – 2013.
Autor do livro: Morte no 217-a “O código Penal bate à sua porta”. CBJE - 2013