sexta-feira, 9 de março de 2012

Olá, eu sou "EL DOLOR"


Dolores da Silva, tenho 30 anos, nasci em meio ao capitalismo, onde tudo é pequeno se não trouxer lucro.Imaginem eu, mulher, pobre, indefesa e pequena, que tipo de lucro poderia trazer para minha família? As pessoas a minha volta não pensavam em mim como doutora, renomada, como uma advogada brilhante, sempre fui enxergada como a parte morta da sociedade, uma escrava, uma mulher que só é procurada quando os homens se encontram em apuros diante do monstro que habita entre a geladeira e o fogão. Sempre fui querida no momento em que entregava as trouxas de roupas lavadas, cheirosas e passadas.
Hoje, busco em minha memória coisas vivas que não me lembro com nitidez, busco lembranças ardentes de momentos felizes que todas as crianças vivem nos dias festivos, mas não encontro tais lembranças, em meio a tanta força, só encontro lembranças de dor, ou melhor, de "EL DOLOR".

Muito cedo, fui apresentada aos afazeres domésticos, o pouco tempo que me restava eu aproveitava para dormir e chorar. Acordar cedo, ir para cozinha, de lá para o tanque, do tanque para o resto da casa. Brincar era uma coisa que não existia em meu cotidiano. Sorrir, Ah! Poucas vezes me recordo de uma gargalhada, isso só me era permitido quando uma visita elogiava meu tempero ou eu participava da quermesse da paróquia do Padre Alberto.

Tento lembrar da minha família, meu pai, mais parecia um coronel. O bigode grande, grosso e preto, se misturava aos cabelos que saiam de suas narinas, ele tinha uma voz grossa e imponente que me causava arrepios só de pensar em ouvir, durante a noite, eu tremia ao ouvir a voz dele, ela era tão pavorosa que até mesmo o seu roncar durante o sono fazia-me sentir medo. Poucas foram às vezes em que o tratei como pai, pouquíssimas quase não existiram as vezes que o chamei de papai. Umas das vezes que o chamei de papai foi quando implorei por três dias para não ser enviada para um convento após ter manchado uma camisa de seda que ele ganhou de presente do presidente do partido político para usar no comício do Prefeito Rodolfo. Durante uma época, tive dificuldades de lembrar o nome dele, pois pouco conversávamos como pai e filha, ele gritava as ordens para minha mãe e ela em meio a lágrimas me repassava o que deveria ser feito.

Lembro-me de algumas noites, não sei ao certo quantas, mas foram muitas as noites que ele chegava bêbado em casa, quase quebrando a porta de tanto bater, eu acordava, abria-a para ele entrar, minha mãe estava dormindo, dopada por seus muitos remédios e meus irmãos dormindo como anjinhos. Levantava-me descalça e ao abrir a porta era submetida a xingamentos e insultos, a palavra mais doce que ele me direcionava era: Putinha.
Ao fechar a porta, tinha de cumprir uma espécie de ritual: tirar o chapéu, o paletó, desabotoar o cinto, tirar seus sapatos e como uma ovelha muda que vai ao matadouro, era agarrada a força e obrigada a acariciar seu corpo. Sempre tentava fugir, mas minhas pernas franzinas não ajudavam muito, quando conseguia tirar meu rosto do peito sufocante e nojento, nada mais conseguia fazer a não ser facilitar o próximo ato dele: pegar minha cabeça com as duas mãos e direcioná-la até as partes íntimas dele. Presa por suas pernas, segura por suas mãos, eu tinha que satisfazê-lo até que ele, tomado pela bebida, dormia alí mesmo no sofá da sala. Voltava para meu quarto chorando e entre soluços ia dormir.

Ao amanhecer, minha doce e manipulada mamãe me acordava com um lindo bom dia, dava-me a impressão que ela tinha acabado de sair de um conto de fadas. Pobre mamãe, se não fosse seus muitos remédios e a dependências financeiras, ela teria motivos de sobra para poder sorrir. Ela conheceu meu pai quando tinha quinze anos de idade e foi dada em casamento como parte de um pacto feito entre meus avós. Sem estudo, sem trabalho a única oportunidade que a vida lhe deu foi ser uma boa dona de casa até o dia em que ela, logo após meu nascimento, caiu dentro de um poço e ficou no fundo dele durante três dias. Todos os vizinhos a procurando sem sucesso até que um amigo da familia sentou perto do poço para descansar e ouviu uns gemidos vindos do poço. Com muita dificuldade, a tiraram de lá, mas a debilidade já havia tomado conta do corpo e da saúde que ela gozava em plena juventude.

Passei por isso que lhes contei acima, mas hoje sou forte, sou mulher, tenho um emprego, tenho minha casa. Não sou casada, dedico minha vida a ajudar crianças em orfanatos por todos os lados. Sou formada, profissional e dou a essas crianças, tudo aquilo que eu não tive quando criança, AMOR.
Conto minha história, não para te comover, mas para te mostrar que apesar de várias dificuldades que a vida nos impõe, somos capazes de dar a volta por cima e fazermos a diferença. Passe essa história a diante e mova-se de forma a ser útil para terceiros.
Se tiver vergonha de ajudar a pessoas que você não conheça, comece então ajudando aos que estão dentro de sua casa dando-lhes: amor, carinho, respeito, compreensão e acima de tudo, sendo humano para com o próximo.

Hoje, não sei se seria eu a conhecida "EL DOLOR", ou a cada dia que passa a "MEJOR".


Texto escrito por Josecler Alair

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